21/11/2018

Mesa Brasil

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Pra não desperdiçar é preciso respeitar

Que as doações do Mesa Brasil proporcionam refeições mais completas muita gente já sabe. Um detalhe que às vezes escapa é a contribuição das cozinheiras que trabalham na instituições sociais atendidas. As merendeiras, ou tias da cozinha, como alguns de nós preferíamos chamar na época da escola, fazem parte das memórias de infância de quase todo mundo.  Se às vezes falta comida em casa, estas profissionais são as responsáveis por alimentar e ensinar pelo exemplo que as panelas são capazes de prover muito mais do que refeições. 

Na hora de evitar o desperdício, a criatividade de quem cozinha faz toda a diferença para que as alimentos sejam aproveitados da melhor forma possível. Pensando em valorizar este trabalho fundamental, a equipe do Mesa Brasil do Sesc Bauru publica todos os anos um livro de receitas com criações das cozinheiras de instituições que são atendidas pelo programa na região.

Desta vez, o projeto foi reformulado e ganhou o nome de LAB de Receitas. As cozinheiras foram convidadas a criar preparos inéditos e inusitados em um formato competitivo, com avaliação de jurados convidades para a ação. As receitas serão publicadas em um livro especial, que será lançado no encontro anual do programa.

Um dos momentos mais aguardados do projeto foi a participação da chef de cozinha Paola Carosella, que dividiu suas experiências no trabalho com aproveitamento integral de alimentos em seus restaurantes.

Paola é prova de que as cozinheiras de escola podem influenciar muito na formação das crianças. Uma das pessoas que ajudaram a despertar seu interesse pela cozinha foi a merendeira da escola em que estudou na infância. “Eu amava a Dona Noemi. Eu visitava ela todos os dias, ia perguntar o cardápio logo cedo, queria saber o que ela cozinhava. Comecei a honrar o trabalho dela e a parabenizar a comida”, relembra.

O carinho pela mulher que cozinhava para um batalhão todos os dias era tanto que Paola e mais duas amigas passaram ser convidadas para comer o cardápio preparado para os alunos na mesa da casa da Noemi. Uma lembrança que ficou guardada para sempre e que foi o primeiro assunto no encontro com as cozinheiras. 

Certamente, muitas das cozinheiras das instituições podem vir a ocupar este papel na história de alguém. Talvez até já tenham feito, pelo longo tempo que muitas delas dedicam ao ofício. Helena Jardim é uma dessas pessoas. Ela trabalha há duas décadas na Legião Mirim de Bauru e, além de cozinhar, é monitora nas aulas de doces e salgados na instituição. “Eu adoro trabalhar com os meninos, fazer comida, ouvir eles falando: que delícia… nossa, como que você fez isso… Pra mim é muito prazeroso”, conta. 

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Helena Jardim foi uma das finalistas do LAB de Receitas.

Com a experiência, a criatividade e a vontade de aproveitar ao máximo cada doação, Helena é autora de receitas que estão em vários dos livros editados pelo Sesc Bauru. Na mais nova edição não foi diferente. Ela foi selecionada com a receita de fatia húngara de avocado, uma fruta que sempre faz parte das doações na região.

Os ingredientes doados por meio do Mesa também são uma oportunidade para que as cozinheiras libertem a imaginação, usando ingredientes que não fazem parte do dia a dia da instituição. Helena gosta muito de testar novas receitas e de replicar as melhores no cardápio das crianças: “Eu acho que muita gente se inspira ali. Quando eu invento alguma e todo mundo gosta é a melhor coisa que tem. E aí eu tô há 22 anos fazendo isso e agradeço muito o Mesa Brasil pelo que eles fazem pelos meninos”

Paola diz ser uma péssima agricultora, mas o fato de suas experiências em manejar a terra não serem as mais vitoriosas, não a impede de cultivar um respeito enorme pelos ingredientes e pelas pessoas que estão por trás do cada beterraba que chega à sua cozinha.

Há algum tempo, quem fornece as frutas, legumes e verduras usados em seu restaurante são os agricultores da Cooperapas, uma associação de produtores familiares localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo. Segundo ela, esse contato próximo faz toda a diferença na hora de trabalhar com o alimento e, consequentemente, na conscientização do valor que cada ingrediente tem por inteiro.

“Um restaurante gera muito mais desperdício do que o volume de comida que ele produz. O desperdício tende a ser ainda maior se o chef de cozinha não tem um foco em querer que isso não aconteça”. Paola anda na contramão dos cozinheiros que valorizam mais a estética do que o ingrediente em si:  “Pra mim nunca fez muito sentido escolher pra por no prato alguma coisa só por que ela é bonita, se eu não souber o que fazer com o resto”.

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Paola dividiu a fala com a Neide Rigo, que se dedica a divulgar as Plantas Alimentícias Não-Convencinais. 
Foto: Paulo Orlando

Em seu restaurante, o cuidado em aproveitar o alimento como um todo é uma prioridade. A organização na hora de receber e pré-preparar os ingredientes é fundamental para garantir que o mínimo possível se perca na cozinha. Os dias de recebimento dos legumes e verduras são dedicados a avaliar as condições de cada parte do alimento recebido. São separadas as folhas que estão melhores para refogar, para fazer suco ou para servir como salada. Os talos de beterraba, por exemplo, são destinados à preparação de picles. E mesmo as folhas de cenoura que já estão mais duras não são desperdiçadas. Elas servem como apoio para a taça em que é servida uma das sobremesas da casa.

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Foto: Paulo Orlando

São detalhes que refletem o respeito pelo alimento, coisa que se perde em um contexto de tanta abundância, como o que vivemos hoje. “Temos muita dificuldade de olhar pra algo tão simples e reconhecer o valor que tem quando estamos rodeados de tanta pilha de alimento que se joga fora e também por que estamos acostumados a ver nos mercados as coisas já sem talos e empilhadas nas bandejas de isopor”.

Neste sentido, a função educativa do Mesa Brasil ultrapassa as oficinas formativas. Além de proporcioar um destino nobre a alimentos que seriam jogados fora, as coletas e doações tem a função de fazer olhar para o desperdício e, quem sabe, colaborar para que esta relação com o alimento seja mas próxima, respeitosa e consciente.